terça-feira, 8 de dezembro de 2015

VIDAS QUE VIVEM EM RADINHOS DE PILHA

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Goiânia é uma cidade de guerra, de abandonos, de reclamações, cidade de cultura. É uma cidade onde supostamente se predomina o sertanejo, onde as ruas são tão esburacadas quanto os cidadãos e onde a dança e a arte urbana predomina escondida de olhares conservadores.
“Que nada, Goiânia é sertanejo, é raiz!”, frase comum de ser ouvida da boca dos Goianos mais velhos é essa, pouco sabem eles que a cidade já foi tomada de inovações e já é uma mistura de ritmos, que vai do jazz ao rock’n roll.
Os mais velhos ficam sentados em seus banquinhos na porta de suas casas, ora papeando sobre a vida alheia, ora com seus radinhos de pilha procurando incessantemente por uma rádio em que ainda predomina aquilo que consideram a raiz de sua cultura.
Quando o tão comum carro cheio de som passa nessa mesma rua pacata tocando em alto e bom som, graves tão profundos que chegam a tremer as paredes, eles reclamam. Reclamam e esperam ansiosamente por aqueles tempos melhores da capital, quando o único som era esse mesmo baixinho de seus radinhos de pilha com o tão esperado sertanejo Raiz.
Então se faz guerra, de um lado os conservadores sertanejos, do outro, os jovens rebeldes que querem mudar a cara de Goiânia para o agora, o pop, o rock, o soul, o pagode e todos os ritmos ao qual eles tem direito.
Todos os dias esses mesmos jovens e velhos que vivem em guerra, entretanto se unem, para porém esquecer. Esquecer das inúmeras pessoas pelas quais passam todos os dias e ignoram, porque estão preocupados demais definindo que cidade é essa.
Essas mesmas pessoas ignoradas são aquelas que pouco se importam com as guerras de tribos e querem apenas viver. Viver, trabalhar, sentir, serem vistos. Todos os dias um senhor de idade, em situação de rua, pega sua tela, suas miçangas e vai para o lago das rosas vender lindas bijuterias artesanais.
Sua arte é ignorada, abandonada pelos passantes que não veem o talento que transborda diante dos seus olhos. Mas ele não liga, se acostumou ao abandono, aos olhares de desprezo que tantas pessoas preconceituosas o julgam ‘drogado’, ‘sem-teto’ ‘deve ser uma vida vazia’.
Ele no entanto não se importa, ou finge que não se importa, é feliz sem se preocupar com tantas bobagens que deixa as pessoas loucas e estressadas e fica extasiado quando um passante para por alguns segundos e pergunta “quanto é a pulseira?”.
Essa é a arte do abandono, a qual os Goianos conhecem tanto. Goiânia tem em média cem mil cães abandonados e inúmeros gatos de rua, dentre os quais a maioria são jogados na rua ao nascerem, ou simplesmente deixados para trás porque o dono se cansou.
Os cães no entanto também não são tristes, formam suas próprias comunidades e alguns, aqueles que tem sorte e são ‘bonitinhos’ nem precisam fuçar o lixo para encontrar comida. Ficam cercando açougues e pequenos mercados onde no fim do dia tem uma deliciosa refeição de restos e ossos.
Já os gatos, que são maioria não tem a mesma sorte. Grande parte dos Goianos repudiam os gatos, preferindo os cães. Talvez por uma rixa tão passada que nem eles mesmos se lembrem. Os poucos que se compadecem dos animais, no entanto, não são suficientes e restam aos gatos, bonitos ou feios, as velhas sobras que ficam nas calçadas mofando e apodrecendo em sacos de lixo.

As três da tarde, Goiânia se torna uma cidade de reclamações. Não das ruas esburacadas, dos assaltos, nem do que vai acontecer nas tramas das novelas mexicanas que predominam, mas do clima.
Não importa qual seja o tempo, calor escaldante ou chuva, porque é assim que estão divididas as estações, mas não importa qual seja ela, resta ao Goiano reclamar: “Está quente demais!”, “Está frio demais!”, “Está ventando demais!”, “Está abafado demais!”.
As escolas são antecipadas, as sete da manhã, quando os alunos se sentam em suas carteiras para mais um dia de aula sua frase de bom dia é seguida por um “Nossa tá quente né?” e “Nossa cara, tá frio demais!” ou ainda um “Eu acho que hoje o dia vai ser de rachar!” e para confirmar os comentários, chega o professor Goiano confirmando que o clima na capital está desregulado e a umidade .
Para os mais velhos esse clima estranho e sem forma da capital é tolerável. Sem reclamações... Até eles pegarem seus banquinhos e radinhos a pilha e irem se sentar à tarde na porta de suas casas para conversar. “Esse clima de Goiânia é terrível, assim a gente não aguenta”, reclama a Senhora Sebastiana Maria, sobre o calor escaldante que a atrapalha a se concentrar na reprise da novela mexicana, mesmo com um ventilador a sua disposição.
O que muitos não sabem no entanto, é que o clima pode ser relativo e enquanto os Brasileiros se agasalham com vários casacos e logo calçam suas botas quando faz 20°C, os gringos saem as ruas de bermudas e chinelos preparados para um dia refrescante agradecendo pelo calor de 20°C.
A reclamação é tão bem vinda pelos Goianos que quando finalmente o clima agrada, restam outras reclamações. Da falta de praças, das praças em excesso, das ruas estreitas, das ruas largas, da falta de atividades noturnas, da vida noturna, do sertanejo, do pop, dos cães e gatos abandonados.
Goiânia é uma cidade de arte, cidade de cultura. Cultura dividida, entre é claro, os conservadores e a cultura pop. Mas é inegável que a capital é rica em cultura: a cultura pop é o que predomina.
“Goiânia é alternativa” comenta o modelo Daniel no desfile de moda alternativa Autentic Fashion “Mas é uma alternativa escondida, negada pelos conservadorismo da cidade”.
Os grafites já conseguiram sair da guerra sertanejo/pop e são abraçados por todos. Abraçados e respeitados, tanto que onde tem grafite não tem pichação, os pichadores não ousam estragar o trabalho do grafiteiro. É arte. Arte que agora estampa diversos muros e até lojas que usam o respeito entre grafiteiros e pichadores para fugirem do vandalismo.
O talento de Goiânia está estampado pela cidade, nos muros, nos vendedores de bijuterias artesanais, na dança, no teatro e em tantos outros espetáculos, que caminham anônimos pelas ruas com pequenas ações. A maioria nega é claro, mas o que se destaca é o alternativo. O diferente, que assusta o conservador com a ousadia de usar cabelos coloridos, roupas diferentes, e talento que esbanja.  
Cidade de lutas, de pessoas simples, pessoas que reclamam, que agradecem, cidade sertaneja, pop, de abandonos, reencontros, de cultura, mas acima de tudo cidade de pessoas contraditórias, que discordam dos atrativos de Goiânia, mas sempre se unem para defender a cidade quando alguém de fora critica: “Aqui é tranquilo, bom” e só assim se permitem revelar o sabor de viver em Goiânia.



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