Dia
quente... Logo cedo o sol castiga minhas têmporas. O asfalto parece o solo de
panela sob o fogo. Mas preciso chegar onde devo ir, resolver meus problemas. Eles não
param só porque está um dia incrivelmente quente e maçante.
Mas
é claro, minha chegada parece durar uma eternidade. Ouço um farfalhar atrás de
mim. Paro, penso, prossigo. Outro farfalhar. Me viro, ele grita e me olha cheio de curiosidade. Prossigo pela rua, ele me segue.
__Vai,
chô! – Digo com um gesto exagerado.
Mas
ele não liga, dá um latido feliz e passa por entre minhas pernas. É claro, acho
que já era de se esperar que um filhote ficasse tão animado em um dia quente
quanto em um dia de brisas suaves.
Talvez
se ignorá-lo ele vá embora. Volto a caminhar cantarolando e ignorando seus
latidos insistentes no meu calcanhar. Eu cantarolo, ele late. Canto mais alto
pra ver se ele para de latir. Ele late mais alto. Ficamos nesta discussão até
que estou quase gritando uma música qualquer e ele está gritando por um pouco
de atenção.
Paro,
olho pros lados. A rua está vazia.
__Olha,
eu acho você uma gracinha até – começo me abaixando – mas você não pode vir
comigo tá. Não pode. E não pode ficar me seguindo pela rua então tchau! – com
um gesto rápido me levanto e dou passos largos, mas ele é mais rápido que eu e
corre a minha frente, para me desafiando e inclina a cabeça numa imploração
silenciosa.
__Eu
já disse – continuo, com as mãos na cintura – você não pode vir comigo. Vai pra
casa. C-A-S-A! – repito devagar implorando internamente pra que ele entenda – A
sua dona deve estar te procurando. – ele faz um aceno rápido com a cabeça e dá
um pulo. – Já que você vai agir assim não me resta outra opção! – retruco
batendo o pé.
Claro
que pensei em leva-lo pra dona, o único problema é que eu não fazia ideia de
onde ela morava ou de onde ele viera. Ele parou, coçou a orelha e me encarou
sorridente.
__Olha
você precisa tentar encontrar sua dona tá? Volta. – Apontei pra trás e ele
pareceu entender dando um muxoxo triste e indo pra onde eu indicava.
Segui
meu caminho sem olhar pra trás. Ele devia estar bem. Não podia levá-lo comigo e
ele teria que encontrar seu caminho sozinho.
Andei
mais algumas quadras e cheguei ao meu
destino. Abro a porta giratória. Quando piso o pé na loja a primeira coisa que
escuto é um latido vindo de baixo. Ele me seguiu. Me seguiu silenciosamente pra
que eu não o mandasse embora. As pessoas da loja me encaram. Eu o ignoro. Finjo que não o conheço. Ele late e abana o rabo clamando por
atenção. O ignoro.
Passo
o dia todo assim. A cada loja, a cada resolução de problema, e até no restaurante, ele me segue feliz
e latindo por atenção. Eu o ignorei todo o dia. Não que isso tenha resolvido
porque ele continuou o dia todo no meu pé como se eu fosse sua dona.
Já
é noite e a rua está se esvaziando. Preciso voltar pra casa. Paro e olho pra
ele num desafio.
__Preciso
ir pra casa. Você precisa parar de me seguir. Precisa encontrar seu caminho.
Bom, acho que você não tem dona senão ela teria vindo atrás de você horas
atrás. Mas vai achar uma dona ou um dono que te ame muito tá. – afago sua
cabeça - Adeus.
Me
viro, dou alguns passos e percebo que ele não me segue. Olho pra trás, ele está
lá onde o deixei, cabisbaixo. Chego perto dele. Ele deita de barriga pra cima e
me encara. Não podia deixa-lo ali, ele é só um filhote.
__Vamos.
– Digo com um aceno de cabeça e um sorriso, ele me segue.
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